terça-feira, 1 de novembro de 2011

Feriado

Hoje é dia 2 de novembro, dia de finados. Feriado. E aqui estou eu, aproveitando. Não trabalho amanhã - que coisa boa.
Mas o engraçado é que não paro de pensar em você.
Não, eu não sou das mais religiosas, eu sei. Mas não tem como não pensar em você.
Deixa eu ver... Fazem quase quatro anos que você se foi. Eu lembro. Eu estava dormindo quando o pai me acordou. Eu dormia no colchão. O pai me acordou. Maya, o vô morreu. Assim, simples assim. Eu não assimilei de fato. O quê?
Eu chorei. Mais por convenção, admito. Afinal, fazia anos que eu não era mais muito próxima de você. Mas não me julgue, por favor. As lágrimas eram verdadeiras.
A ficha foi caindo assim, aos poucos. Lendo declarações de amor a você. Ouvindo depoimentos. Absorvendo lembranças.
Eu me lembro de você frequentemente, sabe, vô. É engraçado que foi com você que eu descobri como as orelhas crescem quando envelhecemos. É incrível, mas cada vez que vejo alguém mais velho, com suas orelhas enormes, eu lembro de você! Esta é uma das minhas primeiras lembranças.
Quando eu pego o "circular-centro", então... As memórias pululam. Eu lembro de quando, logo após a separação, e eu fui morar em Foz, e a gente tinha que ir de ônibus pra escola, e o senhor ia mancando - eu não me lembro exatamente o porquê -, e eu esperava o senhor. O senhor ia tão devagar para o ponto de ônibus... Mas eu gostava de te acompanhar. Nossa, como eu tinha orgulho! O senhor era tesoureiro do colégio, eu me orgulhava tanto do senhor ocupar este cargo tão importante! Ainda mais, eu lembro, na minha formatura de quarta série - a única que eu tive -, foi o senhor que me entregou o diploma. Ah, eu me lembro até hoje do orgulho em seus olhos! Do seu sorriso...
Mais tarde, quando as coisas não estavam bem para você e para a vó, vocês foram morar em Corbélia, com a gente. E eu sei, e isso me dói. Eu não tinha muita paciência com você... Me perdoa, vô! Você não sabe como eu me arrependo disso... Dessa minha intolerância com essa "gente velha que não me entende"...
Depois vocês voltaram pra Goiás. Você já não estava bem, vô... Eu lembro. Não, eu já não era criança, mas eu fui tão ingrata...
Eu lembro de você no hospital, quando eu precisei... Naquele momento, vôzinho, eu vi tanto amor nos seus olhos... E aquilo me doeu tanto, eu não queria que você sofresse, jamais! Eu te amava tanto, vô! Eu te amo tanto!
Eu lembro daquelas férias, a penúltima antes de você ir embora, eu queria passar mais tempo com você... Você já tinha uns sessenta e poucos anos, e ainda assim tinha que trabalhar, e eu sofria com isso... Aluguei "A identidade Bourne" pra gente assistir junto, você lembra? Eu queria passar mais tempo com você.
Nas últimas férias que eu passei com você, um pouco antes de você ir, você foi internado quando a gente chegou... Ficou tantos dias no hospital... Eu ficava de vez em quando com você, fazia massagens em você, você lembra? Eu tentava demonstrar que eu te amava... Apesar de ser cruel com você, não querer aceitar as suas manias.
Teve um dia, você deve se lembrar, foi um pouco antes do dia 15, um pouco antes de você ser internado pela última vez, que você queria ver jornal... A gente já tinha ficado a noite inteira vendo "Friends" e rindo alto, e você não tinha conseguido dormir direito. E nesse dia, que você queria ver jornal, eu, demonstrando muita ira em meus olhos - perdão, vô! -, coloquei no jornal, como você queria, mas de uma maneira tão ingrata... Tão mesquinha! E você me olhou nos olhos, vô, com seus olhos quase cegos de catarata, e de uma maneira tão desapontada, que me mostrou deu tanta dor... E eu, orgulhosa como sou, apenas saí da sala, me achando a pessoa mais injustiçada do mundo... Mas jamais esqueci desse seu olhar. Da dor que ele emitia.
E você foi para o hospital. E ficou. Dias e dias.
E eu tinha que ir embora, pra Foz. Uma vida nova me esperava, e eu não ligava pra "velharias". Mas eu sabia, vô. Eu soube quando entrei no seu quarto pra me despedir. Eu falei pra vó: "o vô vai melhorar, fique tranquila", mas eu sabia que não ia. Eu soube no momento que te vi. A tua respiração pesada. A sua magreza. Eu sabia que ali seria a última vez que te veria.
Mas eu disse adeus, e fui. E alguns dias depois, veio a notícia.
...
Eu só quero que você saiba, vôzinho, que eu te amo. E que, se você conseguir, eu gostaria que você me perdoasse, vô. Por tudo.

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