segunda-feira, 30 de março de 2009

Grande angular

Horário de almoço da minha mãe. Passeamos eu e ela pelo calçadão quando nos deparamos com várias lojas com a palavra mágica estampada: LIQUIDAÇÃO. Procuramos por sapatos.
Ao provar um, alguém se aproxima.
- Senhora, será que a senhora poderia...
- Não temos dinheiro - em uníssono.
- Mas não é dinheiro que eu queria não...
Choque. Para quem não conhece a Bahia, talvez não entenda o porquê do choque. Mas aqui, mais que em qualquer outro lugar que eu conheça, pedir é quase profissão. Pede-se tudo a todos em todos os lugares.
Com essa resposta, olhei para aquele que ainda estava parado ao nosso lado. Um garoto, devia ter uns 10 anos, acredito. Cabelo ralo, sem camisa, bermuda verde surrada e chinelos. Nas mãos, um cartão de mercado com um número - 47 -, que ele segurava pela cordinha.
- E o que você quer? - perguntei, olhando atentamente o medo que se encontrava naqueles olhos.
- Eu queria saber se vocês não podem 'interar' um tênis daqueles para mim, para ir para a escola... não precisa pagar todo, eu procuro outra pessoa que pague metade... daí vocês pagam 12 reais... se vocês puderem...
- Ah, tudo bem... então, se você encontrar alguém que pague a metade, eu 'intero'. Pode ser?
Os olhos, com a boca, se abriram num sorriso tímido.
- Pode! Obrigado.
Eu e minha mãe continuamos olhando os sapatos. O pequeno falou com várias pessoas. Nada. Minha mãe, então, me disse que daria a metade faltando. Fui chamá-lo. Ele já estava no calçadão, procurando alguém que pudesse dividir o valor comigo.
- Ei, garoto... - ele parou. Continuei - em que série você está?
- Quarta...
- Não vai faltar às aulas, heim?
- Não vou não. Eu gosto de estudar.
- Aé? Tem que estudar mesmo. Vamos lá pegar o seu tênis... E o que você quer ser?
- Promotor.
- Vixi! Então vai ter que estudar muito mesmo! E que cartão é esse que você está segurando?
- É do mercado... deixei o açúcar e a bolacha lá...
Procuramos o tal tênis, mas não tinha do tamanho dele. Saiu, cabisbaixo, sem me pedir outro mais caro. Meu coração deu um nó. Aperto total.
Deixamos o episódio de lado e saímos da loja. Não havia nada que realmente nos agradasse ali. Fomos numa loja adiante. Achamos alguns que gostamos e decidimos levar. Quando estava esperando as moças conferirem, no pacote, vi novamente o garoto. E, mais uma vez, os seus olhos.
- Oi de novo! Heim, eu tenho que ir para casa, mas preciso ir mais tarde ao mercado. Quanto era o outro tênis?
- R$45...
- Está o mesmo preço do all star. Você prefere um all star?
- Desculpe, senhora, não sei o que é isso...
-Então posso te encontrar as 15h10 na frente do mercado? Daí a gente decide qual tênis você prefere...
Aquele sorriso tímido mais uma vez.
- Tá!

...

Na hora marcada, ele estava lá.
- E aí, decidiu qual você prefere?
- O que a senhora quiser me dar, para mim está bom...
- Olha, os dois são o mesmo preço, não são? Então você escolhe o que gostar mais, que tal?
- ...
- Então vamos lá na loja, daí você decide.
- Senhora... e se, ao invés do tênis, a senhora me der uma calça? É R$40...
- Você prefere?
- Se a senhora não achar ruim...
- Então tá.
- Se eu lhe contar uma coisa, a senhora promete não contar a ninguém? Às vezes eu até conto isso, porque as pessoas me ajudam, mas é que eu não gosto...
- Pode falar!
- Eu moro com a minha tia. É que a minha mãe fuma, sabe? Eu tinha uma calça, mas ela vendeu para comprar mais... Daí eu não gostei disso não, por isso fui morar com minha tia. Lá na casa de minha tia ela não pega nada meu, não. E eu só tenho esse shorts para ir ao colégio, e os meninos ficam me chamando de 'matchela', dizendo que eu sou do sítio... Eu não gosto disso, não...

...

Saiu faceiro com a calça nova. É triste dizer isso, mas chegamos num ponto que até as crianças são cruéis. E como são. Plagiando Renato Russo, a culpa é de quem?
Como prometi não contar a ninguém sua história e quebro a promessa aqui, não conto o nome do santo. O nome daquele garoto é segredo meu, para sempre.

domingo, 29 de março de 2009

Teatro


Essa semana foi quase mágica. Havia muito tempo que eu não assistia nem participava de eventos culturais. Fui espectadora, apenas. Mas me encheu a alma.
Cursei, sim, jornalismo. Paixão terceira, confesso. Acima dela, fotografia. E a maior de todas, o teatro.
O palco, as cenas, as luzes, a entonação, o figurino, a maquiagem, a música, a dança, tudo... e a possibilidade de ser tantas pessoas diferentes... é fascinante.
Me arrepia, me encanta, me emociona. E me faz sentir saudades.
Hoje, porém, o espetáculo me disse: vá em frente. Não é fácil, é muita luta, mas é possível.
Quero agradecer ao diretor da peça, produzida aqui mesmo na região, em Cairu. Não me lembro o seu nome. Mas a re-leitura de Medéia que produziu é simplesmente fantástica. Linda, poética, apaixonante.
Fez renascer, em mim, um 'eu' minguado, moribundo, que já tinha desistido do sonho, até. E a isso eu nunca vou ter como agradecer o suficiente. Então, meus sinceros agradecimentos.
...
ps. A foto é de uma cena de Medéia, também, mas não da peça de hoje. Foi da que assisti na sexta, tão apaixonante quanto. Na de hoje, fotografia não era permitida. Mesmo assim, uma cantora local tirou várias... mas eu costumo seguir as regras...

quarta-feira, 25 de março de 2009

E por falar em...


- Não gosto de vir ao MegaChic. Me lembra o Celso e o Jean, dá uma saudade!

- Não, mãe, você não tem saudade dos dois. Assim como eles não tem saudade da gente - eles estão em São Paulo, e você, mãe, não fica em casa sozinha o dia todo... quem sabe de saudade sou eu!

...

Este pequeno diálogo aconteceu uns trinta minutos antes.

Agora, sentada na mesa do corredor, próxima ao buffet, de frente para a ponte do Rio Una, olhando o movimento nesta noite de quarta feira (dia de vermelho), penso em como vou contar para o Celso (mais uma vez), amanhã, via SISBB, da falta que eles fazem na nossa vida.

- Não é vir no MegaChic que dá saudade deles, mãe. É vir à noite no MegaChic.

Até me assusto e penso que, agora, Paulinha começou a ler meus pensamentos. Ou será que falei em voz alta? Não. Na verdade, a saudade que nos une faz com que a sintonia aumente e ela verbalize o meu sentimento.

...

Pois é. Saudade é uma coisa que não tem explicação. Assim como amizade. As pessoas aparecem do nada, entram na vida da gente, marcam território e assim, sem mais, partem. Deviam partir levando tudo o que tem direito, mas não: teimam em deixar a saudade.

...

Ainda bem que só dá saudade do que é bom, de gente que vale a pena, de coisas que fazem diferença pro bem.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Sem comentários..


12 de setembro, 2006.

Happy hour no Celson Bar com Gisele, falando da vida, tomando uma cerveja gelada, curtindo a noite gostosa, numa mesa na calçada. Toca o celular, olho e vejo que é Paulinha. Desligo (claro, é a cobrar) e ligo de volta.
- Oieeeeeeeeeee, Mãe!
- Oi, filha! Tudo bem?
- Mãe? Me diz uma coisa... como é que a senhora contou pra Vó Inha e pro Vô que estava grávida???
Silêncio.
- Mãe???? Mãe????
- Filha, o que você tá me dizendo...??? (palavras entrecortadas de pranto)
- Mãe??!!!! Calma!!! Não aconteceu nada comigo.
- Sua FDP, como é que você faz isso comigo? Vou te matar!
- A Graci tá grávida.
- Putz!!!!!!!! Como é que ela faz uma merda dessa com a vida dela???
- Mãe? A merda da sua vida vai desligar, e depois a gente conversa, tá?

...

Terça-feira, 17 de março, 2009.

Recado no MSN da Lu, contando que é avó da Sofia, uma linda menina loirinha de olhos azuis, e o quanto está feliz com isto. Respondo dando os parabéns a ela e à Cíntia, e contando que deu uma invejinha boa... não vejo a hora de ser avó também e poder estragar os meus netos!!!

...

Quarta-feira, 18 de março, 2009.

Chego em casa, um cheiro delicioso de sopa no ar (entre outras coisas, esta é uma das boas de morar com uma filha que cozinha bem...). Na cozinha, Paula me olha com uma cara de quem aprontou alguma e está escondendo algo.
- O que aconteceu?
Ela olha com o olhar meio contido, abaixa os olhos, não diz nada.
- É melhor eu me sentar?
- É, mãe. Senta.
O banquinho ao lado da mesa me acolhe, e fico calada olhando e esperando.
- A Maya tá grávida.
Não sei dizer minha reação, mas acho que meu rosto expressou muita coisa...
- Mãe, todo mundo já sabe que ela tá grávida.
Olhos marejados, não sei o que dizer, fico olhando (tenho certeza) com cara de boba.
- Mãe, o Brasil todo sabe que a Maya tá grávida. Só você não sabia.
A ficha ainda não caiu.
- Mãe, a Maya é a Juliana Paes.
(Eu sou a Maya. A Juliana Paes é a Maya. Logo, eu sou a Juliana Paes.)
Então, ainda não vou ser avó.
- FDP, eu vou te matar! Como é que você faz isso comigo?
E saio correndo pra dar uns cascudos nela, que se acaba de rir de mim e da minha cara.
- Mãe, o dia em que eu estiver grávida vou contar pra senhora por telefone. Não quero ver essa sua cara de novo.

...

Explico:
1. Desde os oito anos de idade eu já sabia o que queria da vida: ser jornalista, e ser mãe. E trazia dentro de mim a certeza de que meu primeiro filho seria filha (como foi - o que, inclusive, me fez ganhar um engradado de cerveja!). E chegou um momento em que, grávida sem planejar, tive que optar - e optei pelo mais importante. Mas um dia volto aos bancos da faculdade. :)
2. Ser mãe é, pra mim, tudo o de melhor e mais gostoso que pode haver - apesar de todo e qualquer pesar. E a cumplicidade que tenho com meus filhos faz isso ser melhor ainda, sempre. Em momento algum, se tivesse que voltar atrás e escolher, faria outra escolha a não ser 'mãe'. Mas sonho para os meus filhos uma gravidez planejada, num momento em que tenham estrutura para criar adequadamente seu bebê - sei o quanto dói querer dar o melhor ao seu filho e não poder.
3. E agora, neste momento, Maya é caloura de Engenharia. Paula está desempregada. Matheus só tem dezessete anos. Então, nããããããããão quero ser avó agora - e quando acontecer, seja a qualquer tempo (quem vai saber qual é o tempo certo???), tenho certeza de que serei uma avó porreta! Um tanto maluca, talvez, mas amorosa, amiga, cúmplice.
4. E sei, desde sempre, que apesar de minha cara de espanto (?), surpresa (?), susto (?), sei lá o que, serei muito feliz em saber que um netinho está a caminho... e mais feliz ainda ao poder pegá-lo no colo e encher de mimos! (E não adianta, Maya. Você não vai conseguir mantê-lo longe de mim até os sete anos...)

segunda-feira, 16 de março de 2009

Happy Hour


São interessantes essas conversas de final de dia, geralmente em bar. É incrível como, de uma forma ou de outra, nos acrescenta algo. Muito, às vezes. Hoje foi assim. E com alguém que jamais imaginei.
É tarde da noite quando minha mãe sai do trabalho. Eu, só para variar, estou esperando para jantar. Porque, também para variar, não fiz(emos) compras. Ela não é a única a sair a esta hora: mais três colegas estavam lá. O chefe dela entre eles. Pessoa costumeiramente sisuda, posso contar nos dedos das mãos as vezes em que falou comigo.
Mas hoje é diferente. "Cliente até essa hora? Faz tempo que você está esperando para ser atendida?", pergunta, bem-humorado. Saímos para um hotel-bar-restaurante. Durante o tempo em que estivemos ali, posso afirmar que aprendi muita coisa.
Aprendi o quanto manter a calma em situações de risco pode ser importante. O quanto o dinheiro não vale nada quando uma vida está em jogo. Que nem todo o ouro do mundo, nem a empresa mais responsável que existe valem o sacrifício dos que você ama. Mas, principalmente, aprendi a admirar alguém que, antes, eu não via nada.

(E como o olhar dele fica lindo quando fala da família!)

quarta-feira, 11 de março de 2009

Pensando bem...


...não temos escrito aqui, nem eu, nem vocês duas.

Não temos dado continuidade aos nossos 'inícios'. Vícios de começar e não terminar? Falta de tempo, de sentido, de motivação, de desejo, de tesão?

Tenho vontade de postar, e acabo me enrolando e nem escrevendo nada, e nem... produzindo nada.

Hoje, sem inspiração, sem intuição, sem tesão - mas muita saudade.

Muita saudade.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...